quarta-feira, 28 de março de 2018

Irrigação na Cultura da Manga


As informações sobre demanda hídrica, profundidade de enraizamento, coeficiente de cultura e eficiência do sistema de irrigação devem ser consideradas para um manejo de irrigação, adubação e indução floral criteriosos. No Submédio do Vale do São Francisco, a época de produção da mangueira é programada com a aplicação de reguladores vegetais e estresse hídrico, o que permite produção e a colheita durante todo o ano. Assim, as informações sobre a morfologia e fisiologia da cultura, de acordo com o sistema de irrigação utilizado e os parâmetros edafoclimáticos da região, são fundamentais para seu manejo correto.

Profundidade de enraizamento

Experimentos conduzidos com a mangueira ‘Tommy Atkins’ cultivada em condições do Submédio do Vale do São Francisco mostraram que a planta apresenta raízes até a profundidade de 2 m, mas com maior presença entre 0,3 m e 1,4 m de profundidade. As raízes também são encontradas ao longo da linha de plantas, o que indica um entrelaçamento das raízes decorrente do hábito de crescimento da cultura no período chuvoso na região (novembro a março) e da presença de emissores de água em toda a extensão da linha de plantas. Na direção vertical, as raízes alcançam a profundidade de 1 m, sendo que 65% das raízes de absorção e 56% das raízes de sustentação estavam até a profundidade de 0,6 m.
Essas informações são muito importantes para o monitoramento da água no solo, que deve ser feito nas profundidades e distâncias do caule onde há maior presença de raízes, as quais, em regiões semiáridas, estão diretamente relacionadas com a distribuição da área molhada. A observação da distribuição do sistema radicular na área a ser irrigada pode ser realizada por meio de abertura de trincheiras. No entanto, um manejo mais criterioso deve considerar a profundidade de 2 m, pois pode haver contribuição de camadas de solo abaixo de 1 m para a quantidade total de água absorvida pelas plantas, principalmente no período de maior necessidade hídrica (maturação dos frutos) e nos meses mais quentes (outubro e novembro). Em solos onde há a contribuição do lençol freático no fluxo ascendente de água do solo, o controle do crescimento vegetativo e programação da indução da floração pode ser mais difícil. Neste caso, torna-se importante o acompanhamento do nível do lençol freático, podendo ser realizado por meio de poços de observação.

Evapotranspiração da cultura e coeficiente de cultura

Os valores médios da evapotranspiração da cultura (ETc) e do coeficiente de cultura (Kc), obtidos durante dois ciclos de produção (novembro a outubro) da mangueira ‘Tommy Atkins’ (novembro 2003 a outubro 2004 e dezembro 2004 a outubro 2005) são apresentados na Tabela 1. O solo da área foi classificado como Latossolo Vermelho-Amarelo e as plantas foram irrigadas por microaspersão, com um emissor por planta e vazão média de 44 L/h, com molhamento de 70% da superfície do solo. O valor máximo encontrado para a ETc diária foi 6,3 mm (2003-2004) e 5,1 mm (2004-2005).
Tabela 1. Evapotranspiração média diária da cultura (ETc, mm/dia) e coeficiente de cultura (Kc) da mangueira (Mangifera indica L.) cv. Tommy Atkins, aos 18 anos de idade, em Petrolina, PE, nos ciclos de produção 2003-2004 e 2004-2005.
Fases fenológicas
ETc (mm/dia)
Kc
Repouso
3,7
0,7
Crescimento vegetativo
3,8
0,8
Maturação dos ramos
3,7
1,0
Indução floral, início da floração
3,4
1,0
Fim da floração e início do crescimento do fruto
3,4
0,9
Crescimento do fruto
3,4
0,9
Maturação
3,6
0,8
Colheita
3,5
0,6
Fonte: Teixeira et al. (2008).
Conhecendo-se a evapotranspiração de referência (ETo, mm) e o Kc, para cada estádio fenológico da cultura, pode-se estimar a ETc de um pomar de mangueiras (ETc = ETo . Kc), e assim determinar a lâmina de irrigação a ser aplicada. Devem ser considerados, também, a eficiência do sistema de irrigação utilizado, a vazão e o número de emissores por planta.
A determinação da lâmina a ser aplicada também pode ser feita com base na umidade atual do solo. Conhecendo-se a força com que o solo retém a água, com a utilização de tensiômetro, pode-se determinar a umidade do solo por meio da curva de retenção de água, e assim calcular a quantidade a ser aplicada para que o solo apresente um valor de umidade desejado. Neste caso, também, a eficiência do sistema de irrigação, vazão, número de emissores por planta, a área molhada e a profundidade do solo a ser umedecida devem ser avaliados.

Manejo da fertirrigação

A fertirrigação é uma das maneiras mais eficientes e econômicas de aplicar fertilizante no cultivo das plantas, principalmente em regiões de climas árido e semiárido, pela necessidade de irrigação. Assim, ao aplicar os fertilizantes em menor quantidade por vez e com maior frequência, pode-se manter um teor de nutrientes no solo nas quantidades exigidas nas diferentes fases do ciclo da cultura, o que aumentará a eficiência do uso de nutrientes pelas plantas e, consequentemente, a sua produtividade.
Quando se prepara uma solução de fertilizantes envolvendo mais de um tipo de fontes de nutrientes, deve-se verificar se há compatibilidade entre eles (Tabela 2), para evitar problemas de entupimentos das tubulações e dos emissores. O cálcio não pode se injetado com outro fertilizante que contém o sulfato, pois podem dar origem a precipitados que entopem os emissores. Esses cuidados devem ser ainda maiores, quando a água usada na irrigação tem pH neutro, ou seja, quando as concentrações de Ca + Mg e de bicarbonatos são maiores que 50 mg/dcm3 e 150 mg/dcm3 (ppm), respectivamente. O ácido fosfórico não pode ser injetado via água de irrigação que contenha mais que 50 mg/dcm3 (ppm) de cálcio e nitrato de cálcio e em água que contenha mais de 5 meq.L-1 de HCO3, pois poderá formar precipitados de fosfato de cálcio.
Tabela 2. Compatibilidade entre os fertilizantes empregados na fertirrigação.
Fertilizante1
UR
NA
SA
NC
NK
CK
SK
FA
MS
MQ
SM
AF
AS
AN
Ureia (UR)

C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
Nitrato de Amônio (NA)


C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
Sulfato de Amônio (SA)



I
C
C
SR
C
C
C
C
C
C
C
Nitrato de Cálcio (NC)




C
C
I
I
I
SR
I
I
I
C
Nitrato de Potássio (NK)





C
C
C
C
C
C
C
C
C
Cloreto de Potássio (CK)






SR
C
C
C
C
C
C
C
Sulfato de Potássio (SK)







C
SR
C
SR
C
SR
C
Fosfatos de Amônio MAP e DAP(FA)








I
SR
I
C
C
C
Fe,Zn,Cu Mn Sulfato (MS)









C
C
I
C
C
Fe,Zn,Cu Mn Quelato (MQ)










C
SR
C
I
Sulfato de Magnésio (SM)











C
C
C
Ácido fosfórico (AF)












C
C
Ácido sulfúrico (AS)













C
Ácido nítrico (AN)














1C = compatível; SR = solubilidade reduzida; I = incompatível
Fonte: Villas Bôas et al. (1999).
Os procedimentos adequados para aplicação de fertilizantes via água de irrigação compreendem três etapas distintas. Durante a primeira, deve-se funcionar o sistema de irrigação durante um quarto do tempo de irrigação, para equilibrar hidraulicamente as unidades de rega como um todo. Na segunda etapa, faz-se a injeção dos fertilizantes no sistema de irrigação, utilizando-se equipamentos apropriados. Na terceira, o sistema de irrigação deverá continuar funcionando para complementar o tempo total de irrigação, lavar completamente o sistema de irrigação e carrear os fertilizantes da superfície para camadas mais profundas do solo.
Os fertilizantes para uso em irrigação podem ser agrupados em duas classes: a) fertilizantes "líquidos": abastecidos nos tanques na forma de solução, sem necessidade de tratamento prévio; b) fertilizantes sólidos facilmente solúveis: devem dissolver-se facilmente antes do início da fertirrigação. Esses fertilizantes podem, ainda, ser apresentados na forma simples ou em combinações com dois ou mais elementos.
Para o preparo da solução fertilizante (Tabela 3), deve-se conhecer a solubilidade dos fertilizantes. Sugere-se adotar 75% da solubilidade informada pelo fabricante, uma vez que os fertilizantes contêm níveis variados de impurezas, enquanto a água de irrigação possui composição química bastante distinta. Nas tabelas apresentadas, a solubilidade refere-se a uma temperatura de 20 °C. Como a solubilidade dos fertilizantes aumenta com a elevação da temperatura, recomenda-se utilizar uma menor solubilidade dos fertilizantes para períodos de temperatura inferior a 20 °C.
Tabela 3. Solubilidade dos produtos recomendados para uso via fertirrigação.
Produto
Conteúdo do nutriente
(%)
Solubilidade
(g/l de H2O)
N
P
P2O5
K
K2O

10ºC
20ºC
30ºC
Ureia
46
-
0
-
0
-
450
510
570
Nitrato de Amônia
33,5
-
0
-
0
-
610
660
710
Sulfato de Amônia
20
-
0
-
0
-
420
430
440
Nitrato de Cálcio
15,5
-
0
-
0
26,5 CaO
950
1200
1500
Fosfato mono-Amônio
12
26,6
61
-
0
-
290
370
460
Fosfato mono-Potássio
0
22,6
52
28
34
-
180
230
290
Nitrato de Potássio
13
-
0
38
46
-
210
310
450
Multi K+Mg
12
-
0
35,6
43
2 MgO
230
320
460
Multi K + NPK
12
0,9
2
36,5
44
-
210
330
480
Magnisal (Mg-nitrato)
10,8
-
0
-
0
15,8 MgO
2200
2400
2700
Sulfato de Potássio
0
-
0
41,5
50
0
80
100
110
Fonte: Burt et al. (1995).
A escolha do fertilizante deve ser feita com base nas características de cada produto objetivando-se atender às necessidades dos demais elementos envolvidos no processo, tais como: sistema de irrigação, textura do solo, qualidade da água, custo e exigências nutricionais da planta.
Micronutrientes como Zn, Fe, Cu e Mn podem reagir com sais da água de irrigação e causar precipitação e entupimento dos emissores. Por isso, em muitos casos, esses micronutrientes são aplicados como quelatos, que são facilmente solúveis e causam poucos problemas de precipitação e entupimento. No solo, os micronutrientes quelatizados reagem menos, e por isso apresentam maior mobilidade que os sais.
Na aplicação via irrigação recomendam-se doses pequenas de micronutrientes em irrigação localizada, pois o volume de solo irrigado é pequeno e as dosagens convencionais podem ser fitotóxicas. No caso do boro, em função da facilidade de lixiviação que esse nutriente apresenta, o seu parcelamento é a prática mais recomendada.

A fertirrigação depende da taxa de injeção de fertilizantes, do tempo de irrigação por unidade de rega e dos tipos e doses de fertilizantes por unidade de rega. Devem-se considerar também as cultivares utilizadas e suas respectivas fases fenológicas.
Como regra geral, dependendo da complexidade do desenho do sistema de irrigação com relação à fertirrigação, recomenda-se iniciar o processo com fertilizante potássico, seguido dos fertilizantes nitrogenados, administrando-se a quantidade desses fertilizantes aplicados por unidade de rega, com base no tempo de irrigação. A formação de precipitados na água de irrigação pode contribuir para obstrução das tubulações e emissores do sistema de irrigação, principalmente nas águas com nível de pH acima de 7. A lavagem do sistema de irrigação e os tratamentos químicos são os fatores recomendados para reduzir as obstruções nas partes internas das tubulações e nos emissores do sistema de irrigação. As propriedades que utilizam o ácido fosfórico como fonte de fósforo, devem aplicá-lo no final da fertirrigação, pois o mesmo pode, também, proporcionar a limpeza do sistema de irrigação. Caso seja aplicado mais de um fertilizante por vez, as soluções de cada fertilizante devem ser preparadas em separado, e misturadas na proporção desejada, de acordo com as necessidades nutricionais das plantas.

Uma alternativa para amenizar a complexidade da injeção de fertilizantes, via água de irrigação, é a utilização de adutoras secundárias, paralelas às adutoras das unidades de rega, cuja finalidade é transportar a solução ou mistura concentrada de fertilizante até a entrada da unidade de rega específica. Porém, é necessário que em cada unidade de rega, a injeção da solução contendo fertilizante seja feita nos dois quartos intermediários do tempo de irrigação, pois a permanência do nitrogênio na tubulação, após a fertirrigação, pode favorecer o desenvolvimento de microorganismos que também causam a obstrução dos emissores.

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