segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Preparo da Propriedade para o Cultivo Orgânico do Morango



6 - O PREPARO DA PROPRIEDADE ORGÂNICA

Encontrada a janela de produção do morango orgânico na propriedade e assumindo que o agricultor tenha aptidão para esse cultivo, o próximo passo é construir as cercas vivas que formam barreiras físicas na propriedade e têm diversas funções no manejo agroecológico (Figura 3), assim como fazer a análise do solo e sua correção.
Figura 3 -Vista de uma propriedade com diferentes tipos de cercas vivas (Fonte: Tom Ribeiro/CATI).

6.1 - CONSTRUÇÃO DE CERCA VIVA OU QUEBRA VENTO

Onde houver vizinhos convencionais, a primeira função da cerca viva é proteger o cultivo orgânico da deriva da aplicação terrestre de agrotóxicos. Em muitos locais, conseguimos com sucesso reduzir ou eliminar a área de sacrifício no cultivo orgânico, ou seja, aquela faixa em que o cultivo é conduzido dentro dos princípios orgânicos, mas a fruta é colhida e comercializada como convencional em razão da presença de vizinhos convencionais.
Em lugares onde há pulverização aérea de agrotóxico, a cerca viva por si só não é eficiente para barrar a deriva desse tipo de aplicação. Portanto, para garantir a produção orgânica, temos de aliar uma “faixa de sacrifício” no cultivo. 
A função mais conhecida das cercas vivas é a de quebrar o vento, prova disso é que são popularmente chamadas de quebra-vento. 
Para essa função, a(s) uma aliada no controle de pragas e doenças, caso esteja protegendo todos os lados da gleba. 
Para que o quebra-vento funcione adequadamente, é fundamental que ele sempre permita a passagem de um pouco de vento. Em outras palavras, não deve impedir a passagem de todo o vento.
É importante observar que quando o quebra-vento impede completamente a passagem do vento, cria uma zona de menor pressão atrás de si, fazendo com que o vento provoque sérios danos no interior da gleba. Vale destacar que uma boa cerca viva consegue proteger uma faixa de 3 a 10 vezes a sua altura. 
Finalmente, ao implantar as cercas vivas em sua propriedade, com um bom planejamento, o agricultor pode vir a ter uma poupança dentro de 10 ou 15 anos, caso considere o plantio de espécies que possam fornecer madeira, seja para lenha ou para fins mais nobres (moveleiro). Nesse caso, não se esqueça de procurar o órgão ambiental de seu município ou regional para registrar o plantio e o plano de manejo dessas árvores. Esse cuidado é fundamental para permitir que no momento programado, as árvores possam ser cortadas legalmente.

6.2 - AMOSTRAGEM, COLETA E ENVIO DE SOLO PARA ANÁLISE QUÍMICA

A análise química do solo da gleba onde o agricultor irá plantar o morangueiro orgânico é um passo importante para conhecer a disponibilidade de nutrientes naturais do solo e, assim, realizar uma adubação conforme a necessidade das plantas, evitando o excesso de adubação, ou pior, a adubação desequilibrada 
Para obter uma amostragem correta do solo na propriedade, o primeiro passo é identificar suas possíveis diferenças nas glebas, seja pela cor, seja pelo uso anterior que as áreas tiveram (cultura anual, pomar, pasto ou pousio). É importante fazer um croqui da propriedade, identificando cada uma das glebas.
Em seguida, o produtor deve escolher uma ferramenta para fazer a coleta do solo (Figura 4). Pode ser usado um trado, um enxadão ou até mesmo uma pá reta (vanga). O importante é limpar o local de amostragem para evitar que folhas ou gravetos superficiais sejam encaminhados com a amostra a ser enviada ao laboratório e que, de cada local amostrado, seja coletado o mesmovolume de solo.
Figura 4 - Amostragem de solo realizada com um trado (Fonte: Tom Ribeiro/CATI).

A amostra de solo que será encaminhada ao laboratório deve ser composta por várias amostragens de uma mesma gleba (Figura 5). Para tanto, devemos caminhar em zique-zague pela gleba e fazer a coleta do solo em cerca de 15 pontos distintos. O material colhido deve ser colocado em um balde ou saco plástico limpo.
Concluída a coleta, todo esse material deve ser levado para um local limpo e coberto. Recomenda-se que ele seja esparramado sobre um jornal, em local ventilado,
deixando-o secar por alguns dias. 
Para facilitar a secagem, revolva o solo de vez em quando e quebre os torrões maiores. O ideal é peneirá-lo com uma peneira para areia grossa.
Depois de secas e bem misturadas as 15 coletas de uma gleba, identifique um saco plástico com o nome da propriedade e do proprietário, o nome ou número da gleba e a data de coleta. 
Na sequência, encaminhe apenas 400 a 500g do solo coletado da gleba para um laboratório de análise de solo. 
O ideal é pedir uma análise completa, com macro e micronutrientes. 
resultado deve estar pronto em cerca de 30 dias. 
Ao receber o resultado, consulte um engenheiro agrônomo que tenha, preferencialmente, formação em agricultura orgânica.
Figura 5 - Esquema de caminhada em zique-zague, em duas glebas de uma propriedade, para coleta de amostras de solo para análise química (Fonte: Tom Ribeiro/CATI).

6.3 - A CORREÇÃO DO SOLO E A ADUBAÇÃO VERDE

Com o resultado da análise de solo em mãos, busque a ajuda de um engenheiro agrônomo para que possa interpretá-lo e recomendar as correções necessárias para o cultivo do morango orgânico.
Se houver a necessidade de corrigir a acidez do solo, ou acrescentar cálcio e magnésio, essa correção pode ser feita por meio da calagem, que é a aplicação do calcário no solo, a qual pode ser realizada manual ou mecanicamente. Note-se que a dosagem recomendada pelo engenheiro agrônomo é para corrigir a camada superficial de 20 cm de solo.
O calcário aplicado e incorporado ao solo irá começar a corrigi-lo mais rápido ou mais lentamente, dependendo da umidade do solo e do poder de reação do calcário (PRNT - Poder Relativo de Neutralização Total). Em geral, recomenda-se um intervalo de pelo menos 30 dias entre a aplicação e o plantio da cultura subsequente.
Após a correção química do solo, o plantio da adubação verde é altamente recomendado para o cultivo de morango orgânico, sem descartar o pousio vegetado com plantas espontâneas (Figura 6) como uma alternativa econômica para o agricultor, desde que atendida às necessidades de correção do local de cultivo para o morango.

Figura 6 - Área em pousio vegetado com plantas espontâneas para fins de adubação verde. (Fonte: Tom Ribeiro/CATI).

A escolha da espécie a ser plantada como adubação verde deve levar em conta a época de cultivo, já que existem espécies para cultivo nos meses mais frios ou quentes do ano. Devemos levar em consideração também a presença ou não de nematoides na gleba em que pretendemos cultivar o morango orgânico. Também há de se considerar a necessidade da geração de renda para o agricultor nessa gleba e a disponibilidade de sementes dos adubos verdes, mas fundamentalmente não se esquecer de considerar as exigências do morango.
O Boletim Técnico CATI nº 249, da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral do governo do Estado de São Paulo, é a publicação que contém informações mais atualizadas sobre adubação verde no estado de São Paulo. Consultar as informações
ali contidas ajudará o produtor a selecionar a espécie de adubo verde mais adequada a ser plantada para cada época do ano.
Ainda tratando da adubação verde, é importante mencionar que as crotalárias são plantas que, se manejadas corretamente, vão disponibilizar no solo uma grande quantidade de nitrogênio, pois quando se associam a bactérias capazes de fixar o nitrogênio atmosférico, disponibilizam até 450 kg de nitrogênio por hectare ao ano. Se for plantada apenas crotalária como adubação verde antes do plantio do morango, poderemos criar condições perfeitas para o excesso de nitrogênio, resultando em uma planta de morango desequilibrada nutricionalmente e suscetível a pragas e doenças. Por isso, é interessante fazer um consórcio com alguma gramínea, como milho, milheto ou braquiária.
Deve-se ressaltar que para ter o desejado manejo da população de nematoides no solo, o manejo da crotalária precisa ser correto, ou seja, ela deve ser cortada ao atingir o máximo florescimento.

6.4- PREPARO DO SOLO PARA O PLANTIO DO MORANGO

6.4.1 - CALAGEM, ROCHAGEM E APLICAÇÃO DE COMPOSTO ORGÂNICO

O resultado da análise de solo deve ser interpretado com base agroecológica. Para tanto, o engenheiro agrônomo deverá utilizar o método de “Equilíbrio de Bases”, mais precisamente o “Método Albrecht” de correção da fertilidade dos solos, proposto pelo Prof. Dr. Willian Albrecht, na década de 1950, então chefe do Departamento de Solos da Universidade construída ano a ano, de forma que o cálcio no solo represente 55 a 65% da capacidade de troca de cátion (CTC) do solo, o magnésio represente de 10 a 15% da CTC, e o potássio de 3 a 5% da CTC.
Áreas em que o solo precise de grandes quantidades de calcário (acima de 2 t/ha), a calagem deve ser previ ta para o período de conversão da propriedade.
A aplicação de grande volume de calcário, anualmente, promove um brusco desequilibro no pH do solo, além da necessidade de revolvê-lo para a incorporação do calcário. Isso acaba desfavorecendo o estabelecimento de microrganismos benéficos no solo, como o Trichoderma e Micorrizas, que auxiliam no controle biológico de doenças do solo e na nutrição do morangueiro.

Em áreas onde a fertilidade do solo já esteja equilibrada, a aplicação de calcário não deve ultrapassar os 800 kg/ha ano. Até essa quantidade, o cálcio presente no calcário servirá para estimular a vida microbiana do solo.
Ainda considerando o método de “Equilíbrio de Bases”, devemos ajustar a necessidade de magnésio no solo porque, quando intensamente cultivado, tende a ter uma quantidade maior de magnésio do que a necessária decorrente da aplicação de calcário dolomítico ao longo de anos. 
Portanto, não se esqueça de verificar e ajustar a concentração de magnésio em função do “Equilíbrio de Bases”.
O potássio também é ajustado pelo “Equilíbrio de Bases”, sendo que uma das formas de adicioná-lo ao solo é por meio da rochagem. O ideal é aplicar a rocha potássica antes do plantio do adubo verde.
Vale comentar que, atualmente, há no mercado rochas potássicas sendo comercializadas por grandes mineradoras mas um fator limitante é o valor do frete do produto, o qual acaba inviabilizando o seu uso quando a propriedade encontra-se distante da mineradora. Assim sendo, devemos procurar outras fontes de potássio no próprio município como, por exemplo, as cinzas de caldeiras, olarias e até mesmo
de pizzarias. O importante é que essas cinzas sejam oriundas de madeira não tratada.
Para o preparo do solo, também é indicada a que nada mais é do que a aplicação de uma rocha rica em fósforo, também conhecida por fosfato natural. No cultivo do morango orgânico, o ideal é que a concentração de fósforo no solo seja de 60 miligramas por decímetro cúbico (mg/dm3).
Outro importante ingrediente para a produção do morango orgânico é o pó de rocha, por ser fonte de todos os minerais, inclusive dos micronutrientes. Na ausência dele, procure pela farinha de peixe, outra importante fonte de micronutrientes, principalmente se for preparada a partir do pescado marinho.
O composto orgânico, produzido preferencialmente na composteira da própria propriedade (Figura 7), deve ser utilizado como fonte de matéria orgânica e minerais.

Figura 7 -Pilha de compostagem com resíduos orgânicos (Fonte: Tom Ribeiro/CATI).

Para solos pobres em matéria orgânica (abaixo de 25 g/dm3) é imprescindível o uso da adubação verde. Para solos ricos em matéria orgânica ou quando essa concentração tenha sido elevada com o manejo de culturas (teor acima de 25 g/dm3), em especial da adubação verde, deve-se reduzir o uso de fontes ricas em nitrogênio no plantio. Neste caso, o nitrogênio que o morango necessita será fornecido pela mineralização da matéria orgânica do solo e suplementado, conforme a necessidade, por meio da adubação de cobertura com Bokashi (Tabela 2), farelo de mamona ou outra fonte orgânica de nitrogênio.

TABELA 2. INGREDIENTES UTILIZADOS E RESPECTIVAS QUANTIDADES PARA O PREPARO DE BOKASHI AERÓBICO PELA UNIDADE DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM AGRICULTURA
ECOLÓGICA DE SÃO ROQUE/SP.

Modo de preparo: Esquente em uma vasilha aproximadamente metade da água (8 l) para preparar o mingau. Quando estiver fervendo, acrescente 0,5 kg de uma fonte de amido (pode ser farinha de mandioca ou milho) e deixe cozinhar por alguns minutos. Retire a vasilha do fogo e deixe esfriar. Enquanto esfria o mingau, em um local coberto, misture os demais ingredientes. Depois de misturar os ingredientes, esparrame o monte.
Quando o mingau estiver frio, acrescente o melaço ou açúcar mascavo, mexa e adicione o restante da água. Na sequência, coloque o mingau no monte esparramado e, aos poucos, misture tudo várias vezes. Por fim, peneire essa mistura para quebrar qualquer bola de umidade. 
Amontoe novamente e não deixe a temperatura no monte ultrapassar 60 a 65oC.
Em aproximadamente uma semana, o Bokashi aeróbico estará pronto para uso.
O composto orgânico e o Bokashi são importantes na recolonização do solo pelos microrganismos benéficos.

Com o intuito de obter um solo equilibrado para o cultivo de morango orgânico, a concentração de
micronutrientes (Tabela 3) disponível no solo deve ser de:

TABELA 3 - CONCENTRAÇÃO DE MICRONUTRIENTES NO SOLO PARA O PLANTIO DE MORANGO ORGÂNICO

Para conhecer as características do solo de sua propriedade e saber o quanto de cada nutriente é necessário acrescentar para manter o solo equilibrado, a análise química do solo dos macro e micronutrientes é fundamental.
A análise foliar é uma ferramenta interessante para o monitoramento da nutrição do morangueiro, desde que as escalas utilizadas estejam calibradas para o cultivo agroecológico e para a cultivar que foi plantada.
Para saber quais fontes de fertilizantes são permitidas na agricultura orgânica, consulte o Anexo III da IN Mapa 17/2014 (www.agricultura.gov.br/arq_editor/IN-17.pdf) ou o Regulamento Técnico para Sistemas Orgânicos de Produção que estiver em vigor.





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