PLANTAS DANINHAS NA CULTURA DA GOIABA
1. INTRODUÇÃO
Recentemente, têm-se observado grandes transformações, em nível mundial, em todas as atividades humanas, sejam elas sociais, econômicas, governamentais e, principalmente, na relação com o meio ambiente. Nesse cenário, encontra-se uma agricultura onde ocorre o uso intenso do solo e o emprego maciço de insumos externos (fertilizantes e defensivos), com incentivo da monocultura, o que possibilitou aumento da produção de alimentos. Todavia, esse sistema resultou em maior destruição dos solos (erosão e degradação da matéria orgânica), maior agressividade das plantas daninhas (práticas de monocultivo e pressão de seleção por diversos herbicidas, utilizados em excesso e com o mesmo mecanismo de ação), redução da biodiversidade, maior incidência de doenças e pragas e, conseqüentemente, poluição do meio ambiente.
Reverter esse quadro significa utilizar a terra de forma mais segura do ponto de vista ambiental e do atendimento ao mercado internacional, que em sua quase totalidade, exige certificação quanto à inocuidade alimentar das frutas, entre elas, a goiaba. Portanto, o sistema de exploração agrícola deve buscar produzir alimentos de alta qualidade, mediante o uso de recursos naturais e tecnologias apropriadas, assegurando produção sustentável, com produtos de ótima qualidade nutricional e com preços competitivos.
Com origem na América Tropical, onde vegeta desde o México até o sul do Brasil, a goiabeira (Psidium guajava L.) encontra-se amplamente disseminada por todas as regiões e subtropicais do mundo, tendo como agente disseminador, principalmente o homem. Entretanto, segundo Medina (1988) e Pereira (1995), as condições ideais de desenvolvimento desta cultura são temperaturas entre 23 e 28 oC, precipitação entre 800 e 1.500 mm e umidade relativa do ar de 75%.
O Brasil é o maior produtor mundial de goiaba, sendo os Estados de São Paulo e Pernambuco os principais responsáveis, com 80% da produção nacional (Guedes e Vilela, 1999). Devido à sua importância econômica, a cultura da goiaba, como qualquer outra cultura comercial, deve ser encarada como atividade empresarial. Nesta cultura, buscam-se aumento de produtividade e qualidade final do produto com reduções do custo e do impacto ambiental. Por isso, o controle eficiente das plantas daninhas deverá ser levado em conta devido aos prejuízos causados pelas espécies invasoras, principalmente nos pomares de goiaba em formação, cuja forte concorrência por nutrientes, água, espaço e luz neste estádio de desenvolvimento, resulta em sérios prejuízos à cultura. As plantas daninhas podem ainda ser hospedeiras alternativas de pragas e doenças, interferir em sistemas de irrigação, afetar a colheita, além de dificultar outros tratos culturais e de manejo do pomar. Todavia, a
cobertura do solo entre as fileiras da cultura, com plantas daninhas vivas ou mortas, pode minimizar a erosão do solo, promover a reciclagem de nutrientes, ser hospedeira de inimigos naturais de pragas e, ainda, fornecer matéria orgânica para o solo.
Dessa forma, o objetivo atual de um programa de manejo integrado de plantas daninhas não se baseia em eliminar totalmente todas as espécies invasoras do solo do pomar e sim, em suprimir os efeitos indesejáveis da sua população, de modo que as perdas econômicas não excedam o custo do programa, procurando-se evitar ao máximo, o impacto negativo ao ambiente pelo uso dos herbicidas ou por outros métodos de controle das plantas daninhas.
2. COMPETIÇÃO ENTRE GOIABEIRA E PLANTAS DANINHAS
A goiabeira se estabelece em diferentes ecossistemas, não exigindo grande fertilidade do solo; todavia, para se obterem resultados economicamente satisfatórios, é necessário manter o solo do pomar em adequado nível de fertilidade (Pereira, 1995). O manejo incorreto das plantas daninhas pode, entre outros fatores, acarretar indisponibilidade de nutrientes para a cultura. Em pomares comerciais na região Sudeste do Brasil, principalmente no norte do Rio de Janeiro, verifica-se a predominância de cultivares obtidos por propagação vegetativa, que, com a utilização da poda, da fertilização e da irrigação, tem produzido três safras, a cada dois anos. Nesse caso, a preocupação com tratos culturais é ainda maior, pois a interferência das plantas daninhas pode comprometer seriamente a safra seguinte.
Por se tratar de cultura perene, a goiabeira necessita de recursos disponíveis e condições de obtê-los durante todo o ano; portanto, faz-se necessário, o conhecimento de como as plantas daninhas competem pelos distintos recursos com a cultura nos seus diferentes estádios de desenvolvimento, nas diversas estações do ano.
Segundo Radosevich et al. (1996), o crescimento e o desenvolvimento de uma planta são regidos por fatores ambientais, que influenciam também a competição intra ou interespecífica, sendo estes fatores divididos em “recursos” e “condições”. Os recursos seriam os fatores consumíveis, que podem se esgotar com a alta demanda (água, nutrientes) ou não estar disponíveis para a espécie devido a condições adversas, sendo exemplo a luz para plantas sombreadas e o CO2 para espécies que se saturam rapidamente. Já as condições são fatores considerados não diretamente consumíveis, como pH do solo, temperatura atmosférica e do solo, densidade do solo (nível de compactação) etc., que afetam a obtenção dos recursos naturais.
2.1 Competição pela água disponível
Ao longo da evolução, as espécies não cultivadas alcançaram alto índice de sobrevivência nas mais adversas condições, possibilitando maior vantagem competitiva para a obtenção dos recursos disponíveis, inclusive a água. Em alguns agroecossistemas, especialmente nos trópicos, em dias quentes, é comum plantas de determinada cultura ficarem completamente murchas, enquanto as plantas daninhas permanecem túrgidas, sem qualquer sinal de déficit hídrico. Essa maior capacidade de extrair a água do solo e sua eficiência na utilização, apresentada por diversas espécies de plantas daninhas, podem ser atribuídas à maior taxa de exploração de volume do solo pelo sistema radicular e às características fisiológicas das plantas, como a capacidade de as raízes se ajustarem osmoticamente. Estas características e rotas fotossintéticas diferenciadas tornam estas plantas altamente competitivas pelos recursos do ambiente, água, luz e nutrientes, uma vez que eles estão inter-relacionados.
As raízes da goiabeira podem atingir até quatro metros de profundidade em solos classificados como medianamente compactos e com considerado nível de fertilidade (Howard, 1925). Pelo fato de possuir essa característica, a goiabeira é reportada como tolerante à seca. Todavia, quando submetida à condição de déficit hídrico prolongado, as plantas de goiaba perdem suas folhas, produzindo apenas uma safra por ano. Por esse motivo, acredita-se que a produtividade da goiabeira possa ser reduzida quando esta cultura estiver sob interferência de plantas daninhas em condições de média a pouca disponibilidade de água no solo. A presença de tais espécies - que apresentam a característica de retirar água do solo sob baixos potenciais - desenvolvendo-se no pomar, poderá tornar esse recurso mais escasso para a cultura, afetando de maneira direta a absorção de nutrientes e o crescimento e desenvolvimento desta.
Segundo Procópio (2003), o picão-preto (Bidens pilosa), planta daninha de maior ocorrência no Brasil, é capaz de extrair água do solo a tensões três vezes menor do que a observada para a cultura da soja. Assim, a presença desta e/ou de outras plantas daninhas, com características semelhantes, infestando pomares de goiaba em períodos de déficit hídrico, poderá causar sério problema no crescimento e desenvolvimento da goiabeira.
2.2 Competição por luz
A competição pela luz é influenciada por diversos fatores, o que torna complexo o seu estudo. Características fisiológicas das espécies infestantes, como folhas umbrófilas ou heliófilas, rota fotossintética, temperatura da folha e controle da regulação estomática, interferem de maneira significativa na sua capacidade competitiva com a cultura.
A goiabeira subsiste em condições de meia-sombra, entretanto, cultivares com destino industrial devem ser instalados somente em áreas com boa exposição aos raios solares, em que a capacidade fotossintética é maior e as condições são menos favoráveis à proliferação de pragas e doenças. Rovira (1988) estudou o ciclo de vida produtivo da goiabeira em ambiente tropical, classificando-o em quatro fases: crescimento, entre dez meses e dois anos de idade; plena produção, dos três até cinco anos; produção, dos cinco até oito anos e senilidade, a partir dos nove anos de idade. Com base nessas informações, pode-se inferir que o período em que a goiabeira está mais suscetível à competição pela luz é na fase de crescimento. Neste estádio de desenvolvimento, o não-controle das plantas daninhas poderá resultar no sombreamento das mudas recém-transplantadas ou plantas jovens, implicando sério prejuízo em relação ao crescimento e desenvolvimento da goiabeira. Soubihe Sobrinho (1956) recomenda o transplante das mudas, produzidas a partir de sementes, quando estas estiverem com 25 cm de altura, de preferência na época das chuvas, para obter maior índice de pegamento. No entanto, em tal condição, os cuidados com o manejo das plantas daninhas devem ser constantes, pois a taxa de crescimento daquelas daninhas presentes na área, na maioria dos casos, será maior do que a da
goiabeira, sendo a cultura rapidamente prejudicada.
Também o fato de a goiabeira necessitar de poda de formação e de frutificação, torna essa cultura com menor poder de competição com as plantas daninhas, pela luz. Por esse motivo, espécies infestantes, como Bidens pilosa, Euphorbia heterophylla, Leunurus sibiricus, Nicandra physaloides, Galinsoga sp. e outras, possuem curto ciclo de reprodução, com grande número de propágulos, podem atingir rapidamente a altura da cultura, sombreando a goiabeira recém-transplantada e exercendo forte competição pelos recursos do meio. Outras espécies de plantas daninhas, como a maioria das gramíneas, possuem o metabolismo C4 e, se mal manejadas, dominam a área com facilidade e, conseqüentemente, as goiabeiras, que, por serem jovens e estarem bem espaçadas entre si, são fracas competidoras pela luz nesta fase. Na poda de frutificação, o desleixo da lavoura quanto à infestação de plantas daninhas poderá comprometer a formação dos frutos, pois o sombreamento proporcionado por determinadas espécies impedirá que as folhas da goiabeira atinjam o ótimo da fotossíntese, o que levaria à conversão de pouca energia para formação de fotoassimilados da fonte (folhas) para o dreno (frutos).
2.3 Competição por nutrientes
As plantas daninhas possuem grande capacidade de extrair do ambiente, os elementos essenciais ao seu crescimento e desenvolvimento e, como conseqüência disso, exercem forte competição com as culturas pelos nutrientes disponíveis, os quais, quase sempre estão em quantidades inferiores às necessidades das culturas em nossos solos (Silva et al., 2002). A ordem de limitação dos nutrientes vai depender da sua quantidade inicial no solo e das características fisiológicas particulares de cada espécie infestante, uma vez que cada espécie possui diferenças na exigência nutricional. Além disso, algumas plantas daninhas possuem grande habilidade tanto em extrair quanto em utilizar com eficiênte determinado nutriente.
Quando se trata de analisar a capacidade de uma espécie de planta daninha em competir por nutrientes deve-se considerar, com maior ênfase, a quantidade extraída do solo do que os teores que ela apresenta na sua matéria seca (Silva et al., 2002). Hiroce et al. (1977), trabalhando com goiabeira cultivar IAC-4, plantada no espaçamento de 6 x 5 m (333 plantas ha-1), considerando produtividade média anual de 75 kg de goiabas por planta, observaram que foram extraídos do pomar 32,7; 3,8; 18,2; 2,0 e 4,0 kg ha-1, respectivamente, de N, P, K, Ca e Mg. Estes valores indicam que a goiabeira é mais exigente em nitrogênio e potássio do que em fósforo, na etapa de frutificação.
Segundo Cicerelli (1977), citado por Pitelli (1985), uma planta de apaga-fogo (Alternanthera tenella) pode acumular em torno de 1,3 g de N, até 70 dias após emergência (DAE), com formação de 80,4 g de matéria seca. Considerando uma infestação não muito elevada de A. tenella no goiabal, esta poderá exercer forte competição por nutrientes, se estiver se desenvolvendo próximo às raízes da cultura. Todavia, se esta espécie estiver se desenvolvendo entre as fileiras, poderá ser de grande utilidade para reciclagem de nutrientes e também para prevenção de erosão, pois se caracteriza por ser uma planta rasteira, que promove excelente cobertura verde no solo.
Trabalho semelhante foi realizado por Pereira e Jones (1954), os quais verificaram que plantas de Bidens pilosa, Tagetes minuta e Amaranthus spp. podem chegar a retirar do solo, quantidades de P2O5 cinco vezes superiores àquelas removidas pelo cafeeiro. Também Silva e Ronchi (2003), avaliando a competição entre diversas espécies de plantas daninhas (Bidens pilosa, Richardia brasiliensis, Leonururs sibiricus e Sida rhombifolia) e plantas de café, observaram capacidade muito superior de extração e acúmulo de nutrientes por essas espécies em relação às plantas de café (Quadros 1 e 2). Esses estudos confirmam a importância do manejo dessas plantas em culturas, visando prevenir efeitos negativos (competição) e positivos (reciclagem de nutrientes).
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