As informações sobre demanda hídrica, profundidade de enraizamento, coeficiente de cultura e eficiência do sistema de irrigação devem ser consideradas para um manejo de irrigação, adubação e indução floral criteriosos. No Submédio do Vale do São Francisco, a época de produção da mangueira é programada com a aplicação de reguladores vegetais e estresse hídrico, o que permite produção e a colheita durante todo o ano. Assim, as informações sobre a morfologia e fisiologia da cultura, de acordo com o sistema de irrigação utilizado e os parâmetros edafoclimáticos da região, são fundamentais para seu manejo correto.
Profundidade de enraizamento
Experimentos conduzidos com a mangueira ‘Tommy Atkins’ cultivada em condições do Submédio do Vale do São Francisco mostraram que a planta apresenta raízes até a profundidade de 2 m, mas com maior presença entre 0,3 m e 1,4 m de profundidade. As raízes também são encontradas ao longo da linha de plantas, o que indica um entrelaçamento das raízes decorrente do hábito de crescimento da cultura no período chuvoso na região (novembro a março) e da presença de emissores de água em toda a extensão da linha de plantas. Na direção vertical, as raízes alcançam a profundidade de 1 m, sendo que 65% das raízes de absorção e 56% das raízes de sustentação estavam até a profundidade de 0,6 m.
Essas informações são muito importantes para o monitoramento da água no solo, que deve ser feito nas profundidades e distâncias do caule onde há maior presença de raízes, as quais, em regiões semiáridas, estão diretamente relacionadas com a distribuição da área molhada. A observação da distribuição do sistema radicular na área a ser irrigada pode ser realizada por meio de abertura de trincheiras. No entanto, um manejo mais criterioso deve considerar a profundidade de 2 m, pois pode haver contribuição de camadas de solo abaixo de 1 m para a quantidade total de água absorvida pelas plantas, principalmente no período de maior necessidade hídrica (maturação dos frutos) e nos meses mais quentes (outubro e novembro). Em solos onde há a contribuição do lençol freático no fluxo ascendente de água do solo, o controle do crescimento vegetativo e programação da indução da floração pode ser mais difícil. Neste caso, torna-se importante o acompanhamento do nível do lençol freático, podendo ser realizado por meio de poços de observação.
Evapotranspiração da cultura e coeficiente de cultura
Os valores médios da evapotranspiração da cultura (ETc) e do coeficiente de cultura (Kc), obtidos durante dois ciclos de produção (novembro a outubro) da mangueira ‘Tommy Atkins’ (novembro 2003 a outubro 2004 e dezembro 2004 a outubro 2005) são apresentados na Tabela 1. O solo da área foi classificado como Latossolo Vermelho-Amarelo e as plantas foram irrigadas por microaspersão, com um emissor por planta e vazão média de 44 L/h, com molhamento de 70% da superfície do solo. O valor máximo encontrado para a ETc diária foi 6,3 mm (2003-2004) e 5,1 mm (2004-2005).
Tabela 1. Evapotranspiração média diária da cultura (ETc, mm/dia) e coeficiente de cultura (Kc) da mangueira (Mangifera indica L.) cv. Tommy Atkins, aos 18 anos de idade, em Petrolina, PE, nos ciclos de produção 2003-2004 e 2004-2005.
Fases fenológicas
|
ETc (mm/dia)
|
Kc
|
Repouso
|
3,7
|
0,7
|
Crescimento vegetativo
|
3,8
|
0,8
|
Maturação dos ramos
|
3,7
|
1,0
|
Indução floral, início da floração
|
3,4
|
1,0
|
Fim da floração e início do crescimento do fruto
|
3,4
|
0,9
|
Crescimento do fruto
|
3,4
|
0,9
|
Maturação
|
3,6
|
0,8
|
Colheita
|
3,5
|
0,6
|
Fonte: Teixeira et al. (2008).
Conhecendo-se a evapotranspiração de referência (ETo, mm) e o Kc, para cada estádio fenológico da cultura, pode-se estimar a ETc de um pomar de mangueiras (ETc = ETo . Kc), e assim determinar a lâmina de irrigação a ser aplicada. Devem ser considerados, também, a eficiência do sistema de irrigação utilizado, a vazão e o número de emissores por planta.
A determinação da lâmina a ser aplicada também pode ser feita com base na umidade atual do solo. Conhecendo-se a força com que o solo retém a água, com a utilização de tensiômetro, pode-se determinar a umidade do solo por meio da curva de retenção de água, e assim calcular a quantidade a ser aplicada para que o solo apresente um valor de umidade desejado. Neste caso, também, a eficiência do sistema de irrigação, vazão, número de emissores por planta, a área molhada e a profundidade do solo a ser umedecida devem ser avaliados.
Manejo da fertirrigação
A fertirrigação é uma das maneiras mais eficientes e econômicas de aplicar fertilizante no cultivo das plantas, principalmente em regiões de climas árido e semiárido, pela necessidade de irrigação. Assim, ao aplicar os fertilizantes em menor quantidade por vez e com maior frequência, pode-se manter um teor de nutrientes no solo nas quantidades exigidas nas diferentes fases do ciclo da cultura, o que aumentará a eficiência do uso de nutrientes pelas plantas e, consequentemente, a sua produtividade.
Quando se prepara uma solução de fertilizantes envolvendo mais de um tipo de fontes de nutrientes, deve-se verificar se há compatibilidade entre eles (Tabela 2), para evitar problemas de entupimentos das tubulações e dos emissores. O cálcio não pode se injetado com outro fertilizante que contém o sulfato, pois podem dar origem a precipitados que entopem os emissores. Esses cuidados devem ser ainda maiores, quando a água usada na irrigação tem pH neutro, ou seja, quando as concentrações de Ca + Mg e de bicarbonatos são maiores que 50 mg/dcm3 e 150 mg/dcm3 (ppm), respectivamente. O ácido fosfórico não pode ser injetado via água de irrigação que contenha mais que 50 mg/dcm3 (ppm) de cálcio e nitrato de cálcio e em água que contenha mais de 5 meq.L-1 de HCO3, pois poderá formar precipitados de fosfato de cálcio.
Tabela 2. Compatibilidade entre os
fertilizantes empregados na fertirrigação.
Fertilizante1
|
UR
|
NA
|
SA
|
NC
|
NK
|
CK
|
SK
|
FA
|
MS
|
MQ
|
SM
|
AF
|
AS
|
AN
|
Ureia (UR)
|
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
Nitrato de Amônio (NA)
|
|
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
Sulfato de Amônio (SA)
|
|
|
|
I
|
C
|
C
|
SR
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
Nitrato de Cálcio (NC)
|
|
|
|
|
C
|
C
|
I
|
I
|
I
|
SR
|
I
|
I
|
I
|
C
|
Nitrato de Potássio (NK)
|
|
|
|
|
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
Cloreto de Potássio (CK)
|
|
|
|
|
|
|
SR
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
C
|
Sulfato de Potássio (SK)
|
|
|
|
|
|
|
|
C
|
SR
|
C
|
SR
|
C
|
SR
|
C
|
Fosfatos de Amônio MAP e DAP(FA)
|
|
|
|
|
|
|
|
|
I
|
SR
|
I
|
C
|
C
|
C
|
Fe,Zn,Cu Mn Sulfato (MS)
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
C
|
C
|
I
|
C
|
C
|
Fe,Zn,Cu Mn Quelato (MQ)
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
C
|
SR
|
C
|
I
|
Sulfato de Magnésio (SM)
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
C
|
C
|
C
|
Ácido fosfórico (AF)
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
C
|
C
|
Ácido sulfúrico (AS)
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
C
|
Ácido nítrico (AN)
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
1C = compatível; SR = solubilidade reduzida; I =
incompatível
Fonte: Villas
Bôas et al. (1999).
Os procedimentos adequados para aplicação de fertilizantes via água de irrigação compreendem três etapas distintas. Durante a primeira, deve-se funcionar o sistema de irrigação durante um quarto do tempo de irrigação, para equilibrar hidraulicamente as unidades de rega como um todo. Na segunda etapa, faz-se a injeção dos fertilizantes no sistema de irrigação, utilizando-se equipamentos apropriados. Na terceira, o sistema de irrigação deverá continuar funcionando para complementar o tempo total de irrigação, lavar completamente o sistema de irrigação e carrear os fertilizantes da superfície para camadas mais profundas do solo.
Os fertilizantes para uso em irrigação podem ser agrupados em duas classes: a) fertilizantes "líquidos": abastecidos nos tanques na forma de solução, sem necessidade de tratamento prévio; b) fertilizantes sólidos facilmente solúveis: devem dissolver-se facilmente antes do início da fertirrigação. Esses fertilizantes podem, ainda, ser apresentados na forma simples ou em combinações com dois ou mais elementos.
Para o preparo da solução fertilizante (Tabela 3), deve-se conhecer a solubilidade dos fertilizantes. Sugere-se adotar 75% da solubilidade informada pelo fabricante, uma vez que os fertilizantes contêm níveis variados de impurezas, enquanto a água de irrigação possui composição química bastante distinta. Nas tabelas apresentadas, a solubilidade refere-se a uma temperatura de 20 °C. Como a solubilidade dos fertilizantes aumenta com a elevação da temperatura, recomenda-se utilizar uma menor solubilidade dos fertilizantes para períodos de temperatura inferior a 20 °C.
Tabela 3. Solubilidade dos
produtos recomendados para uso via fertirrigação.
Produto
|
Conteúdo do nutriente
(%) |
Solubilidade
(g/l de H2O) |
|||||||
N
|
P
|
P2O5
|
K
|
K2O
|
|
10ºC
|
20ºC
|
30ºC
|
|
Ureia
|
46
|
-
|
0
|
-
|
0
|
-
|
450
|
510
|
570
|
Nitrato de Amônia
|
33,5
|
-
|
0
|
-
|
0
|
-
|
610
|
660
|
710
|
Sulfato de Amônia
|
20
|
-
|
0
|
-
|
0
|
-
|
420
|
430
|
440
|
Nitrato de Cálcio
|
15,5
|
-
|
0
|
-
|
0
|
26,5 CaO
|
950
|
1200
|
1500
|
Fosfato mono-Amônio
|
12
|
26,6
|
61
|
-
|
0
|
-
|
290
|
370
|
460
|
Fosfato mono-Potássio
|
0
|
22,6
|
52
|
28
|
34
|
-
|
180
|
230
|
290
|
Nitrato de Potássio
|
13
|
-
|
0
|
38
|
46
|
-
|
210
|
310
|
450
|
Multi K+Mg
|
12
|
-
|
0
|
35,6
|
43
|
2 MgO
|
230
|
320
|
460
|
Multi K + NPK
|
12
|
0,9
|
2
|
36,5
|
44
|
-
|
210
|
330
|
480
|
Magnisal (Mg-nitrato)
|
10,8
|
-
|
0
|
-
|
0
|
15,8 MgO
|
2200
|
2400
|
2700
|
Sulfato de Potássio
|
0
|
-
|
0
|
41,5
|
50
|
0
|
80
|
100
|
110
|
Fonte:
Burt et al. (1995).
A escolha do fertilizante deve ser feita com base nas características de cada produto objetivando-se atender às necessidades dos demais elementos envolvidos no processo, tais como: sistema de irrigação, textura do solo, qualidade da água, custo e exigências nutricionais da planta.
Micronutrientes como Zn, Fe, Cu e Mn podem reagir com sais da água de irrigação e causar precipitação e entupimento dos emissores. Por isso, em muitos casos, esses micronutrientes são aplicados como quelatos, que são facilmente solúveis e causam poucos problemas de precipitação e entupimento. No solo, os micronutrientes quelatizados reagem menos, e por isso apresentam maior mobilidade que os sais.
Na aplicação via irrigação recomendam-se doses pequenas de micronutrientes em irrigação localizada, pois o volume de solo irrigado é pequeno e as dosagens convencionais podem ser fitotóxicas. No caso do boro, em função da facilidade de lixiviação que esse nutriente apresenta, o seu parcelamento é a prática mais recomendada.
A fertirrigação depende da taxa de injeção de fertilizantes, do tempo de irrigação por unidade de rega e dos tipos e doses de fertilizantes por unidade de rega. Devem-se considerar também as cultivares utilizadas e suas respectivas fases fenológicas.
Como regra geral, dependendo da complexidade do desenho do sistema de irrigação com relação à fertirrigação, recomenda-se iniciar o processo com fertilizante potássico, seguido dos fertilizantes nitrogenados, administrando-se a quantidade desses fertilizantes aplicados por unidade de rega, com base no tempo de irrigação. A formação de precipitados na água de irrigação pode contribuir para obstrução das tubulações e emissores do sistema de irrigação, principalmente nas águas com nível de pH acima de 7. A lavagem do sistema de irrigação e os tratamentos químicos são os fatores recomendados para reduzir as obstruções nas partes internas das tubulações e nos emissores do sistema de irrigação. As propriedades que utilizam o ácido fosfórico como fonte de fósforo, devem aplicá-lo no final da fertirrigação, pois o mesmo pode, também, proporcionar a limpeza do sistema de irrigação. Caso seja aplicado mais de um fertilizante por vez, as soluções de cada fertilizante devem ser preparadas em separado, e misturadas na proporção desejada, de acordo com as necessidades nutricionais das plantas.
Uma alternativa para amenizar a complexidade da injeção de fertilizantes, via água de irrigação, é a utilização de adutoras secundárias, paralelas às adutoras das unidades de rega, cuja finalidade é transportar a solução ou mistura concentrada de fertilizante até a entrada da unidade de rega específica. Porém, é necessário que em cada unidade de rega, a injeção da solução contendo fertilizante seja feita nos dois quartos intermediários do tempo de irrigação, pois a permanência do nitrogênio na tubulação, após a fertirrigação, pode favorecer o desenvolvimento de microorganismos que também causam a obstrução dos emissores.
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